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  • Foto do escritorLuciana Vianna Pereira

ESG e a Parábola do Joio e do Trigo*

Parábola do joio e do trigo ESG sustentabilidade

Parece que está chegando a hora de separar o joio do trigo, com relação ao ESG.


A parábola de Jesus Cristo, narrada pelo evangelista Mateus, nos ensina diversas coisas, mas uma delas é que o tempo aprofunda as diferenças entre o certo e o errado, o bom e o ruim, e só depois de passado o tempo certo, é possível extrair os maus frutos, preservando e colhendo o bom[1].  


Qualquer tentativa de extrair o mal antes do tempo certo importará necessariamente na perda do que é bom.


A paciência e a prudência são virtudes a serem valorizadas e perseguidas com afinco por quem quer se tornar um homem, um ser humano melhor.


No ESG, isso não é diferente.


Como “Narciso acha feio o que não é espelho”[2], as reações quanto ao, muito falado, mas ainda pouco conhecido, ESG, são as mais interessantes possíveis. De um lado, há quem acredite que ESG é a forma de “acabar com o que lhe desagrada”, seja o que me desagrada qualquer coisa que possa haver no mundo. De outro lado, há quem acredite que ESG é a forma de “acabar com o que me agrada”, seja o que lhe agrada, qualquer coisa que possa haver no mundo.


Mas poucos, muito poucos, vão atrás da verdade sobre o ESG, buscam compreender suas reais características e o que significa, efetivamente, adotar ou desenvolver um Programa ESG. E, mais que isso, como o ESG pode ser usado a favor do bom desenvolvimento da atividade econômica, de forma benéfica não só para a sociedade, mas para a própria empresa e seus sócios, acionistas, financiadores e seguradores.


Apesar das citações e analogias, o objetivo desse texto não é acadêmico, filosófico ou bíblico.


O que pretendemos aqui é mostrar os graves equívocos sobre as visões criadas sobre o ESG pela imposição sobre ele de vontades pessoais e preconceitos ideológicos. Diga-se, de passagem, de ambas as correntes políticas do momento.


Mais que isso, é mostrar que o que se fala sobre ESG, assim como o campo da parábola, foi (e ainda vem sendo) semeado pelo “dono da terra” mas também por quem aproveita da expressão para impor uma visão preexistente e preconcebida sobre como a sociedade deveria operar ou como as empresas deveriam operar.


Além disso, buscaremos expor nosso entendimento de que, apesar dos equívocos no entendimento e leitura do ESG, a reação imprudente, apressada de rejeitar, tentar extrair o que há de mal com relação ao tema importará invariavelmente na extração também dos bons frutos que há no seu cultivo.


Por fim, pretendemos, ainda, mostrar aos responsáveis pela colheita, especialmente, os advogados e operadores do direito, os passos para operar e realizar a colheita no momento certo, para que se possa preservar, ao máximo, o trigo.

 

1.    O trigo: ESG pelo que ele é e não pelo que acham que é ou gostariam que fosse


ESG é a inclusão das questões ambientais, sociais e de governança nas decisões de investimento, de financiamento, de consumo. ESG não é sustentabilidade. Talvez essa seja a frase que mais escrevi e falei nos últimos anos. E não é sustentabilidade, simplesmente porque, enquanto a sustentabilidade é um conceito, quase um valor ético, o ESG é a sua concretização, sua materialização financeira e através da realização e medição de ações concretas, metas autoimpostas e internalização das externalidades negativas.


ESG é o olhar financeiro para a sustentabilidade. É a coordenação entre finanças e impactos ambientais, sociais e de governança. É identificar e mapear os impactos que a forma como os múltiplos temas relacionados ao meio ambiente, à interação entre a atividade econômicas e as pessoas e a governança geram para a empresa.


Olhando pela empresa, o ESG demanda análises de riscos e oportunidades. Demanda análises financeiras e jurídicas. Demanda interação com empregados, fornecedores, clientes, e, principalmente, consumidores.


ESG não é filantropia. ESG não é afastar a empresa de seu propósito primeiro, que é a lucratividade.


Talvez um dos textos mais interessantes que tratam do tema é um artigo publicado por Robert Eccles, Colin Mayer, e Judith Stroehle, pela Harvard Law School Forum on Corporate Governance[3], em que os autores claramente demonstram a impossibilidade de adoção de medidas visando uma suposta preocupação profunda com a proteção ambiental ou questões sociais em prejuízo da lucratividade empresarial.


A lente da materialidade para qualquer decisão empresarial de adotar uma meta ou objetivo ligado às agendas ambiental, climática ou social serve justamente para permitir à empresa definir seus objetivos nos limites da continuidade de sua atividade econômica e mantendo sua lucratividade.


Erra quem acha que o ESG veio para contradizer Milton Friedman em sua frase de que a empresa existe para gerar lucros. O ESG representa exatamente a origem a partir da qual a famosa frase foi concebida: a de que a empresa que não atende ao seu propósito, ou seja, não atende a demanda de mercado a que se propôs quando foi criada e não a atende com eficiência e a um preço que possa ser pago pelos consumidores, não tem como gerar lucros[4].


Mesmo a chamada materialidade ambiental e social (em contraposição à materialidade financeira[5]) importa, na verdade, na análise dos impactos que o descaso com as pessoas que circundam a atividade econômica (os stakeholders) e o planeta geram sobre sua perenidade, sua permanência no mercado e capacidade de fazer o que foi criada para fazer.


Toda empresa surge necessariamente da percepção de um empreendedor da existência de uma demanda social por um produto ou serviço, aliada à percepção desse mesmo empreendedor de que ele é capaz de solucionar essa demanda, através de um serviço ou produto novo ou mais eficiente do que os previamente existentes.

ESG é um acrônimo para questões ambientais, sociais e de governança, mas seu surgimento, e, portanto, sua natureza, estão atrelados à avaliação financeira da atividade econômica, seja pela internalização dos custos decorrentes dos riscos que a atividade causa ou dos benefícios que gera, seja pela internalização dos custos que os riscos ambientais, sociais e de governança externos à atividade geram sobre a empresa.


Não é demais lembrar que a expressão surge no Relatório chamado Who Cares Wins, ou seja, “quem cuida ganha”, elaborado por agentes de mercado financeiro, bancos e seguradoras, ao mapear a maneira como sua ação contribuiria para o Pacto Global das Nações Unidas[6]. Surge, portanto, da necessidade de avaliar financeira e economicamente os impactos das decisões empresariais sobre tais questões sobre sua própria atividade e sobre a economia global.

 

2.    O joio: greenwashing, ESGwashing, ativismo ESG, movimentos anti-ESG


Após analisar o ESG pelo que ele é de fato, precisamos analisar os defeitos vinculados ao ESG, à sua má interpretação, ao seu mau uso.


Talvez espante a alguns o fato de colocarmos o greenwashing e o ativismo ESG ao lado do movimento anti-ESG, mas, na verdade, os três representam a antítese do que o ESG significa de verdade.


Greenwashing ou ESGwashing é a famosa maquiagem verde ou maquiagem sobre os aspectos ESG, a divulgação de informações falsas, enganosas, obscuras sobre um determinado aspecto ou mais de um aspecto do ESG, com o objetivo de levar investidores e consumidores a tomar decisões favoráveis de consumo de um produto ou investimento em uma empresa, ou simplesmente melhorar a imagem da empresa emitente da informação enganosa.


Greenwashing é claramente um vício inerente ao direito do consumidor e ao direito regulatório do mercado de capitais, bancário ou securitário, conforme o caso.

O greenwashing, que já ganhou múltiplas cores e conotações, a depender do tema objeto da informação enganosa se relacionar a questões ambientais, sociais, raciais, de diversidade, ou todos eles em conjunto, vem ganhando cada dia mais opositores.


Contra o greenwashing, Estados, autoridades governamentais, organismos de supervisão do mercado financeiro e organizações multilaterais vem editando regras e estratégias para combate-lo, em nome da boa e velha transparência, clareza e honestidade nos negócios.


Exemplificativamente, podemos citar a recente proposta de norma da União Europeia para combate ao greenwashing, a chamada Green Claims Directive[7].


Por seu turno, o Ativismo ESG é o uso de divulgações empresariais de sustentabilidade ou informações disponíveis em bancos de dados públicos ou privados sobre a sustentabilidade empresarial para propor ações, exercer direito de voto, impedir ou restringir investimentos em determinadas indústrias consideradas poluentes ou não sustentáveis, como a mineração e a indústria de óleo e gás e até, em alguma medida, a pecuária.


Por vezes, o ativismo ESG extrapola a própria definição e finalidade do ESG, dissociando-se do necessário equilíbrio entre sustentabilidade e lucratividade empresarial.


O ativismo societário ESG alcançou seus maiores resultados nos anos de 2020 e 2021, quando importantes gestores de fundos decidiram usar suas proxies, ou seja, as procurações obtidas junto a acionistas minoritários que representavam, para propor e votar medidas voltadas para a sustentabilidade nas companhias em que detinham capital.


No ano de 2021, duas grandes conquistas do ativismo societário ESG foram amplamente divulgados: (i) na ExxonMobil, os minoritários aprovaram a eleição de dois diretores comprometidos com a mudança da política climática da companhia[8]; (ii) na Chevron, os acionistas votaram pela adoção de medidas de redução de emissões, contra a proposta da diretoria, que pedia pela rejeição da proposta[9].


Por fim, o terceiro e mais novo integrante da lista, o movimento anti-ESG, ganhou força no início de 2023, especialmente nos Estados Unidos, pretendendo confrontar – por vezes, cegamente – qualquer medida empresarial, proposta de lei, norma ou regulamento que impunha ou vinculasse investimentos a algum tema que importasse em proteção ambiental, climática, social.


Com a marca “anti-ESG” surgiram fundos temáticos, que passaram a se opor a decisões de investimento de seus recursos baseadas em critérios relacionados a mudanças climáticas, diversidade, direitos humanos, por entenderem que tais critérios se alinhavam a ideologias políticas e impactavam negativamente os resultados financeiros dos fundos.


O movimento “anti-ESG” ampliou também os chamados fundos de vícios, que são fundos que investem justamente em indústrias poluentes ou ligadas a vícios, como jogos, tabaco, armamento e estabeleceu fundos de investimento em indústrias carbono-intensivas ou controversas, do ponto de vista ambiental e social, como mineração e óleo e gás.


Nesse sentido, especialmente nos EUA surgiram também movimentos legislativos estaduais visando proibir o uso de critérios ESG para decisões de investimento em determinados tipos de fundos, especialmente fundos soberanos e fundos que gerem recursos de aposentadoria nos EUA.

 

3.    O olhar do dono da terra: deixar crescer, para evidenciar a diferença entre o que é bom e o que é ruim no debate


Pois bem. Como visto, o momento atual é de um campo semeado simultaneamente com trigo e joio, com boas práticas ESG e com leituras deturpadas sobre o que é o ESG, ou o que a sua adoção deveria impor.


Nesse contexto, recentemente, foi veiculada a notícia de que diversas seguradoras e resseguradoras deixaram a iniciativa Net-Zero Insurance Alliance – NZIA, apoiada pelas Nações Unidas, que pretendia unir forças no setor para neutralizar as emissões de clientes e impor metas setoriais de redução de emissões aos agentes signatários.


Ocorre que, a iniciativa e as empresas signatárias começaram a sofrer questionamentos por parte, especialmente, do mercado norte-americano e de um grupo de advogados-gerais norte-americanos que entenderam que as metas definidas para o setor e as imposições pareciam violar as normas estaduais e federais norte-americanas de antitruste.


É interessante ressaltar que, muitas das empresas que deixaram a iniciativa, ressaltaram que manteriam suas próprias metas de sustentabilidade e que manteriam o foco na ajuda a seus clientes para a transição energética, deixando, somente de fazê-lo de forma coordenada e setorial.


Uma outra notícia que seve de exemplo para a necessidade de prudência quanto ao ESG é a da recente declaração[10] de Larry Fink, o porta-voz da BlackRock, uma das maiores gestora de ativos do mundo, no sentido de que não usaria mais a expressão ESG, pela conotação política que vem sendo atribuída a ela.


Fink ressaltou, em sua declaração, contudo, que apesar de deixar a expressão de lado, a estratégia de investimento da gestora continuaria focada na inclusão das avaliações de risco e oportunidades ambientais, sociais e de governança.


E o que esses dois casos têm em comum?


Primeiro, demonstram a evidente necessidade de deixar as discussões relacionadas ao ESG decantar, como orientou o dono da terra na parábola objeto de nosso texto.

A politização do ESG ocorre juntamente com a politização e dicotomização da sociedade e da vida, com o fenômeno da ampliação de acesso à informação e a clara manifestação da sociedade do espetáculo, como descreve Guy Debord[11].


Vivemos um momento histórico em que não só as pessoas acreditam poder emitir opinião sobre tudo, mas em que, justamente pelo altíssimo volume de informação a que se tem acesso, pela superficialidade com que os temas são lidos e compreendidos, passam a colocar qualquer tema dentro de caixas que são mais familiares.


Para facilitar a emissão de opinião sobre todo e qualquer assunto, enquanto sociedade, polarizamos a vida e atribuímos qualquer assunto desconhecido – ou conhecido só superficialmente, pelos títulos dos artigos e das notícias de jornal que lemos – um de dois selos: (i) conforme minhas crenças e ideias ou (ii) contrário às minhas crenças e ideias.


Na pressa do opinar, mostrar conhecimento, aplicar, passa despercebido o fato de que há algumas dezenas de assuntos que estão – deveriam estar – fora dessas caixas e acima de qualquer possibilidade de aplicação de “selos”: saúde, educação, ciência, ESG.

Deixar crescer o joio e o trigo semeados no campo é, realmente, o melhor (talvez o único) caminho a seguir.


Da iniciativa das seguradoras, fomentada pelas Nações Unidas, a NZIA deu um passo atrás, declarando que, para as que ficaram, as medidas e metas de redução de emissões devem ser consideradas voluntárias (não obrigatórias).


Da nova manifestação do Sr. Larry Fink, extraímos a necessidade de olhar para os fatos, para a essência, e não para o rótulo. A medida – como, aliás, era de se esperar, já que o mesmo ocorreu com as primeiras declarações favoráveis abertamente ao ESG do Sr. Fink –, vem sendo severamente criticada por todos os lados que optaram por colocar o ESG em suas caixinhas preconcebidas.


Os mais ambientalistas criticaram a manifestação por ver nela um retrocesso. Queriam que fosse a BlackRock a fazer política pública e obrigar empresas a aumentar seus custos para atender suas demandas por produtos sustentáveis ou líquidos de emissão idealizados pelo grupo.


De outro lado, os adeptos aos movimentos anti-ESG criticaram a manifestação, por entender que evidencia que o ESG nunca deveria ter existido e que representa exclusivamente custos a mais para os consumidores.


Nenhum dos lados está certo!


E a manifestação de Larry Fink não representa nenhuma das duas posições, mas uma reação à dicotomia política estabelecida.


A verdade é que, como já antecipávamos no início de 2023, o movimento anti-ESG vem jogando “luz sobre as falhas de um olhar ESG míope e sem preocupações com resultado econômico”[12]. Mas ainda não chegamos, a meu ver, ao fim desse debate.


O lançamento dos Padrões IFRS de Sustentabilidade podem ajudar na definição do caminho. Voltam-se para os impactos financeiros nas companhias – e, aliás, também vem recebendo críticas por isso –, mas ainda precisaremos ver como serão implementados e que países os recepcionarão com que natureza – obrigatória ou voluntária.


Por tudo o que está acontecendo em 2022 e 2023, ainda não parece ter chegado a hora da colheita. O movimento anti-ESG representa claramente a intenção dos primeiros servos do dono da terra da parábola, que queriam arrancar o joio antes do tempo, sem perceber que, com essa atitude, perderiam também o trigo.

 

4.    Os ceifadores obedientes ao dono da terra: por que esperar?


Advogados e profissionais de sustentabilidade, cada um com suas características, especialidades e funções tem o dever de, como responsáveis pela colheita, obedecer ao dono da terra e olhar para o ESG de forma séria e mais profunda.


Advogados e profissionais de sustentabilidade se deparam hoje com um volume extenuante e quase impossível de acompanhar de informações, propostas de normas, regras, regulamentos e acordos nacionais e internacionais com a temática ESG.


Alguns caem na tentação de não olhar para o joio, fingindo que no campo só há trigo. Fingem que o movimento anti-ESG, o greenwashing, o ativismo ESG não existem ou não fazem mal ao ESG. É um equívoco. Não devemos subestimar a presença de críticos. Devemos aprender com as críticas e estar melhor preparados para o debate.


Especificamente sobre o movimento anti-ESG, muitos defensores do ESG caem no mesmo erro dos adeptos ao movimento anti-ESG: menosprezam e diminuem o opositor. Atacam a pessoa e não o argumento. Perdem a oportunidade de efetivamente debater e chegar ao ponto em que o ESG estará pronto para a colheita e para produzir o melhor pão que se possa preparar.


A leitura apressada do ESG fez com que alguns acreditassem que cabe às instituições financeiras, aos relatórios de sustentabilidade, às auditorias e aos padrões de sustentabilidade forçar e promover mudanças na forma como a sociedade consome, na forma como decide comprar, no que pode estar nas prateleiras dos supermercados, ou nos portfolios de investimento.


Mas não é essa a finalidade do ESG e nem foi para fazer política pública ou proibir o consumo pela sociedade desse ou daquele bem que ele foi concebido.


O ESG não serve para proibir a exploração e produção de petróleo, não serve para proibir a produção de armamentos, não serve para proibir a mineração ou o consumo de tabaco.


O ESG surgiu e serve para que, de forma transparente, o consumidor e o investidor possam entender como e porque uma empresa toma suas decisões. Porque ela decidiu assumir um compromisso de neutralidade de carbono e qual o impacto dessa decisão nas suas finanças.


Serve para que as empresas possam mapear e compreender o impacto financeiro pela forma como gerencia seus empregados, seus contratos, a comunidade vizinha e tomar uma decisão a respeito.


Serve para que o consumidor saiba com clareza e transparência quais as decisões de sustentabilidade tomadas pela empresa para que ele possa fazer suas próprias escolhas.


E essas escolhas devem ser sempre pessoais: o consumidor pode optar por pagar mais caro num produto de limpeza biodegradável e com embalagem retornável ou mais barato em um produto que não tenha esses atributos.


Do ponto de vista da política pública, é a lei, elaborada e votada pelos representantes da vontade popular, que podem criar obrigações ou incentivos fiscais para uma determinada medida voltada para a sustentabilidade. Isso, sempre considerando o peso político de uma decisão errada, que onere excessivamente o produto e prejudique os eleitores.  


Aliás, quando é o movimento anti-ESG que força legisladores a ponderar sobre o impacto da transição energética para o preço do veículo e o acesso a veículos pela população de baixa renda, ele evidencia uma só coisa: que tem muita gente entendendo errado o que é o ESG e para que ele serve.


E, se de ambos os lados, há excessos sobre o uso do ESG e o que ele compreende, há muito debate a ser feito e há arestas a aparar.


Bem faz o ceifador obediente quando espera pacientemente o joio e o trigo crescerem. À medida em que as suas diferenças ficam mais claras, torna-se mais fácil extirpar o erro e manter somente o bom fruto.

 

5.    Quais as melhores ferramentas para reconhecer o trigo na colheita


Como o objetivo deste texto é também permitir aos advogados e profissionais de sustentabilidade operar nesse mercado e ajudá-los a identificar as oportunidades e desafios do ESG em sua prática, passemos a tratar das ferramentas de que dispõem para realizar um bom trabalho, uma boa colheita, no tempo certo.


Para auxiliar nessa tarefa, tomaremos de empréstimo, algumas das perguntas elaboradas por Dambisa Moyo, em um artigo publicado em janeiro de 2022, que, segundo o autor, toda empresa deve se fazer sobre o ESG[13].


A partir das quatro primeiras perguntas feitas pelo autor e de seus comentários, tentaremos traçar alguns paralelos com os aspectos jurídicos relevantes e com o papel dos advogados que atuam (ou pretendem ingressar) no universo ESG.


A primeira delas é se o ESG está reduzindo a competitividade da empresa e a segunda é se a condução da agenda ESG significa sacrificar o retorno financeiro aos acionistas.


Pois bem. Ambas são absolutamente pertinentes e podem ser tratadas em conjunto. Aliás, são questões que devem ser feitas antes da assunção de qualquer compromisso, antes da adesão a qualquer pacto setorial, antes da adoção de qualquer medida e, principalmente, antes da divulgação de qualquer compromisso, meta, relatório ESG.

Do ponto de vista jurídico, a questão tem ressonância clara no direito da concorrência, no direito do comércio internacional e no direito societário.


Uma empresa em dificuldades financeiras ou que deixa de ser vista como atrativa financeiramente por seus acionistas, deixa de ser competitiva em seu mercado e, portanto, perde valor econômico. Parece óbvio, mas como às vezes, o óbvio precisa ser dito: uma empresa que não vende e não é lucrativa nunca conseguirá implementar compromissos audaciosos com sua comunidade ou com o ambiente simplesmente porque não terá recursos para tanto.


Uma empresa que abraça metas ESG em detrimento da sua função de produzir, crescer, ganhar mercados e lucrar se perderá invariavelmente e será expelida do mercado.


Por outro lado, ignorar o ESG enquanto seus competidores adotam princípios e metas específicas também poderá afetar a capacidade de competir seriamente no mercado, e afetar a força de sua marca.


Portanto, qualquer decisão ESG qualquer compromisso deve estar alinhado com o propósito da companhia, deve ser ousado até a medida da capacidade da empresa e acima de tudo, ser adequado ao com o seu mercado, seu setor, seus clientes[14].


E, pelo lado estritamente jurídico, é preciso ter fundamentos e argumentos jurídicos para cada passo dado ou não dado sobre o tema, para prevenir ante a qualquer futuro litígio ESG, advindo de acionistas minoritários que pressionam a Diretoria, de autoridades e associações responsáveis pela tutela de direitos coletivos e difusos potencialmente afetados, ou da comunidade em geral.


É preciso ainda compreender as demandas de grandes consumidores internacionais, suas normas e requisições, o que o autor chama de “license to trade”, que começam a ser impostas a partir da Europa, com o Mecanismo de Ajuste na Fronteira (ou CBAM), e em alguns países do mundo. Do contrário, a adoção ou não adoção de uma prática ESG poderá, dependendo do mercado consumidor relevante da empresa, afetar a sua capacidade de atender a este mercado e, por conseguinte, sua perenidade.


A crescente inclusão do chamado “Escopo 3” ou da cadeia de valor na imposição de controles e restrições faz com que, mesmo quem atua em mercados locais e B2B, possam sofrer os efeitos das exigências do comércio exterior. Trata-se do efeito cascata da regulação internacional para o Brasil, sobre a qual já tratamos em um outro trabalho[15].  


A terceira pergunta feita pelo autor é como a empresa tem feito executado “trade-offs”. O ESG possui três grandes grupos de temas, mas cada um deles se subdivide em dezenas de outros subtemas. No pilar “S”, por exemplo, vamos desde a famosa e tão falada equidade de gênero e equidade racial até o relacionamento com comunidades tradicionais, com prestadores de serviços, o turn-over dos empregados da empresa, regras de saúde e segurança, saúde mental de empregados, direitos humanos, relacionamento com consumidores. São muitos temas e não é possível abraçar a todos eles.


Especialmente, na vida empresarial e na análise do caso concreto é comum que uma decisão seja vista como favorável para um grupo de stakeholders e absolutamente deletéria para outro grupo de stakeholders.


Por muito tempo, advogados e profissionais de sustentabilidade apressados pela colheita, defenderam a impossibilidade de “compensações”. Padrões de sustentabilidade entendiam (entendem ainda) que os trade-offs não eram possíveis e todos – e não menos que todos – os efeitos negativos materialmente relevantes deveriam ser considerados, avaliados, reportados. Em alguma medida, especialmente quando considerada a questão climática, a cegueira para os trade-offs existentes na vida e no dia a dia comercial, pode importar numa quase criminalização de determinados setores, atividades, tornar quase impossível que atividades econômicas não naturalmente sustentáveis ou verdes de validamente operar sem críticas, sem riscos de litigância ou exposição ao escrutínio público. Não é por outro motivo que surgem ideias – apressadas – de não falar sobre sustentabilidade, não elaborar relatórios, para que ninguém saiba da postura sobre o tema da empresa e não possa litigar contra ela. Mas também não possa valoriza-la e identificar-se com ela.


O autor trata do tema objeto de uma das grandes polêmicas do inverno europeu de 2022-2023, que foi o investimento em descarbonização versus a necessidade de assegurar o provimento de energia (preferencialmente a um custo razoável) para a população em geral. Lembremos que não é aqui uma questão de conforto, mas de necessidade e direitos humanos, pois sem aquecimento, populações inteiras correm risco de morte.


Trazendo para a realidade brasileira, o conflito é também absolutamente relevante. Os conflitos reais não são entre “ricos deixarem de usar seu ar-condicionado no inverno” em prol da descarbonização. Um desinvestimento total em combustíveis fósseis, como por vezes ventilado – apressadamente – pode significar um aumento do custo de energia e a impossibilidade de comunidades carentes inteiras terem acesso a geladeira para manter seus alimentos.


Concordo com o autor quando fala da necessidade de balancear essas medidas. Mais uma vez, a questão aqui depende de um olhar sério para o seu propósito empresarial e – por mais que possa parecer um sacrilégio para alguns leitores mais sensíveis – para o reconhecimento de que trade-offs existem, são necessários e da natureza empresarial.

Não é demais lembrar de que existe inclusive um princípio jurídico em direito societário pelo qual administradores de empresas não devem ser responsabilizados por decisões comerciais tomadas, no curso normal dos negócios: em inglês, o business judgement rule.


Os novos Padrões IFRS S1, recém-lançados, trazem com tranquilidade a previsão de trade-offs[16]. Estes precisam ser considerados e, pelo bem da transparência – principal princípio do ESG – divulgados pelo tomador da decisão.


Mais uma vez, o dono da terra está certo quando determina aos ceifadores que esperem. E estes devem buscar as ferramentas certas para a colheita quando ela puder se realizar.


E qual o papel do advogado e profissional da sustentabilidade que obedece ao dono da terra de esperar pelo momento certo da colheita?


O papel do advogado, aqui, será sempre o de assessorar o cliente sobre como se proteger com relação a esses trade-offs, a documenta-los e defende-los.


A quarta pergunta, essencial e sobre a qual falamos desde o primeiro dia em que decidimos voltar nossos estudos e esforços exclusivamente para o Direito ESG é sobre o impacto do ESG sobre as auditorias, as chamadas due diligences.


E aqui, não se fala só nas due diligences relacionadas à aquisição de empresas, ou a investimentos de venture capital ou private equity, mas também nas due diligences relacionadas a obtenção de financiamento bancário, nas due diligences realizadas em fornecedores da cadeia de valor da empresa.


Itens como a adoção de políticas climáticas, práticas ambientais, de trabalho, de clima, sobre diversidade já começam a integrar questionários e relatórios de auditoria. O tema tem ampla conexão com o direito das fusões e aquisições, e, financeiramente, integrará sim o valuation das empresas.


A questão é: como? Com que priorizações? A pergunta conecta-se às anteriores, pois sem uma boa definição de materialidade e um alinhamento seguro com o propósito, essa inclusão poderá ser falha e vazia.


E uma outra preocupação cada vez mais pertinente com a automação e a internet das coisas: quando a informação publicamente disponível é boa e adequada? E como assessorar o cliente a se proteger quando ela não é.


A avaliação dos riscos jurídicos e o tratamento dos riscos jurídicos nos contratos deverá sempre ser feito de forma cautelosa e alinhada com a atividade do cliente. Aos advogados internos, apesar de a atividade de conhecer o setor seja mais simples e natural, há a necessidade e o dever de entender as demandas externas e estar prontos para responder as perguntas difíceis sobre o descumprimento ou não atendimento a alguma demanda ESG que não seja exatamente prevista em lei, mas que seja considerada relevante ou crucial para o investidor.

 

6.    Breves conclusões


O objetivo do presente artigo foi o de chamar a atenção de profissionais do direito e da sustentabilidade para uma realidade: a de que o ESG é um tema que demanda um bom debate.


Não um debate acalorado, apressado ou superficial. Ao revés, um debate que permita alcançarmos a sua verdadeira essência.


A partir da parábola do joio de do trigo, em que se percebe a necessidade de esperar o crescimento dos frutos bons e maus, para preservar a boa colheita, buscamos apresentar ao leitor a necessidade de considerar as visões mais dicotômicas sobre o ESG para a partir da sua completa compreensão, compreender a forma como o ESG deve ser aplicado e considerado pelas empresas.


Buscamos, por fim, apresentar algumas considerações acerca do papel dos advogados na atuação referente ao ESG, de forma a prestar a assessoria necessária aos seus clientes, em observância à necessária segurança jurídica e legalidade.


Esperamos, com o texto, ter despertado a curiosidade e o interesse dos advogados e profissionais da sustentabilidade para o ESG, despindo-se de preconceitos e interferências políticas ou ideológicas sobre a matéria, permitindo-se, ouvir, ponderar, para então, com a prudência necessária ao bom advogado, prestar aos seus clientes uma verdadeira assessoria jurídica, sob as lentes do ESG.


______________________________

*Originalmente publicado na Revista do Advogado n. 159, da AASP


[1] 24. Jesus lhes contou outra parábola, dizendo: "O Reino dos céus é como um homem que semeou boa semente em seu campo. 25. Mas enquanto todos dormiam, veio o seu inimigo e semeou o joio no meio do trigo e se foi. 26. Quando o trigo brotou e formou espigas, o joio também apareceu. 27. “Os servos do dono do campo dirigiram-se a ele e disseram: 'O senhor não semeou boa semente em seu campo? Então, de onde veio o joio?' 28. 'Um inimigo fez isso', respondeu ele. "Os servos lhe perguntaram: 'O senhor quer que o tiremos?' 29. "Ele respondeu: 'Não, porque, ao tirar o joio, vocês poderiam arrancar com ele o trigo. 30. Deixem que cresçam juntos até a colheita. Então direi aos encarregados da colheita: Juntem primeiro o joio e amarrem-no em feixes para ser queimado; depois juntem o trigo e guardem-no no meu celeiro'. Mateus 13:24-30

[2] Referência à música Sampa, de Caetano Veloso.

[4] Para maiores informações sobre o tema, ver FRIEDMAN, Milton. The social responsibility of business is to increase its profits. Disponível em https://www.nytimes.com/1970/09/13/archives/a-friedman-doctrine-the-social-responsibility-of-business-is-to.html

[5] A doutrina econômica e jurídica começam a criar distinções entre novos tipos de materialidade. Porém, ainda é majoritário o entendimento de que a materialidade deve ser olhada sob dois prismas somente.

[6] Para maiores informações sobre o surgimento da expressão e sua vinculação ao mercado financeiro, ver ESG: de global a local; de voluntário a obrigatório. In PEREIRA, Luciana Vianna. Um olhar jurídico sobre o ESG, Rio de Janeiro: [.], 2022, p. 53-56.

[11] DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Ed. Contraponto, 2007.

[13] MOYO, Dambisa. 10 ESG questions companies need to answer. Disponível em https://hbr.org/2022/01/10-esg-questions-companies-need-to-answer Acesso em 05.01.2022.

[14] Um exemplo claro de adoção de propaganda ESG sem atenção ao seu propósito foi visto no Brasil no final de 2021 quando o Banco Bradesco fez uma campanha publicitária sugerindo que se adotasse a “segunda sem carne”, o que gerou a imediata reação do agronegócio e do setor pecuário. Outro grande erro de marketing e campanha ESG foi realizado pela cerveja Heineken que também realizou uma propaganda atrelando a marca ao tema, ignorando o fato de que no Brasil o consumo de cerveja está atrelado ao churrasco.

[15] Nesse sentido, ver PEREIRA, Luciana Vianna. ESG e o efeito cascata da SFDR sobre as empresas localizadas fora da jurisdição da União Europeia. In In PEREIRA, Luciana Vianna. Um olhar jurídico sobre o ESG, Rio de Janeiro: [.], 2022, p. 22-33.

[16] Para maiores detalhes sobre os Padrões IFRS, ver PEREIRA, Luciana Vianna. Padrões IFRS S1 e IFRS S2: o mínimo que advogados e profissionais de sustentabilidade precisam saber. Disponível em https://www.viannapereira.com.br/post/padr%C3%B5es-ifrs-s1-e-ifrs-s2-o-m%C3%ADnimo-que-advogados-e-profissionais-de-sustentabilidade-precisam-saber

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