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  • Foto do escritorLuciana Vianna Pereira

ESG – uma leitura filosófica

(Por Luciana Vianna Pereira - originalmente publicado no site Migalhas)



Recebi do Professor e amigo Dr. Werner Grau Neto, organizador do seminário ESG – Temas Fundamentais, realizado pelo Portal Migalhas, em 02 de setembro de 2021, a tarefa de abordar o ESG sob a perspectiva filosófica.


Apresento, então, ao leitor, o roteiro da apresentação realizada, com votos de que apreciem a leitura, mas mais que isto, que busquem as obras aqui indicadas e todas as obras de grandes mestres da filosofia, que certamente ajudarão, em muito, a compreender não só o ESG, mas o mundo em que vivemos.


1. Santo Tomás de Aquino

Começo citando alguém que tenho lido demais ultimamente e que tem uma das obras que eu creio que seja das mais pertinentes para o momento do ESG em que estamos hoje no Brasil, que é São Tomás de Aquino.


Além da Summa Teológica, há uma série de pequenos livros que expõem o pensamento de Tomás de Aquino e um deles trata da Prudência.


E por que eu creio que o ESG demanda prudência? Porque estamos vivendo momentos de grande dicotomia e polarização social em que nada mais é considerado “correto” se divergir do que “eu” penso.


Conhecem alguém que pensa assim? Eu conheço várias.


Então, para alguns o ESG é a solução de todos os problemas vividos até o momento pela sociedade moderna, enquanto para outros, ele não passa de uma fórmula de marketing que não serve para nada.


Tomás de Aquino, a meu ver, responderia a essa dicotomia clamando para que tenhamos uma visão prudente, cautelosa sobre o tema. Diz Tomás de Aquino que o papel da prudência é “aplicar os princípios universais às conclusões particulares no âmbito do agir. E, assim, não compete à prudência indicar o fim das virtudes morais, mas somente lidar com os meios para atingir o fim”[1].


2. François Ost

E já que estou falando de prudência, vou passar para François Ost (segundo filósofo) que tem uma frase, que já citei em outras ocasiões, que diz que o “procedimento é precisamente a institucionalização da prudência, a instauração de uma trégua, o tempo de reflexão”[2].


No caso, o contexto da frase é o processo judicial que deveria, segundo OST estabelecer aquele momento em que as partes e o juiz refletem com cautela sobre o caso apresentado.


Mas, novamente, o que deve ser buscado no ESG (e, aliás, é precisamente o que está sendo construído internacionalmente) é procedimento: procedimento de medição, de verificação de balanceamento entre os elementos que integram o ESG, e que estão longe de ser só riscos climáticos, de um lado, e diversidade e mais mulheres nos Conselhos de Administração, de outro.


Só será possível evitar o tão falado greenwahing e fazer do ESG mais do que uma mera avaliação burocrática por instituições financeiras – algo além da estrita verificação documental – se houver sucesso no desenvolvimento destes procedimentos. E, mais que isso, se os procedimentos forem de alguma forma uniformes, ou pelo menos, não absolutamente incompatíveis.


E, por mais que haja muita resistência de ambos os lados desta constante disputa de opiniões que nossa sociedade vive, é procedimento que está sendo buscado e desenvolvido pelos atores internacionais que vem liderando a discussão sobre o ESG. Aliás, o ESG não é uma iniciativa das Nações Unidas, mas uma iniciativa de atores públicos e privados, de mercado, induzidas sim, mas não conduzidas pelas Nações Unidas.


3. Aristóteles

Chegou a hora de citar o nosso terceiro filósofo e vou um pouco mais atrás na História para trazer uma frase que gosto bastante de Aristóteles, no seu Ética à Nicômaco, em que ele diz que “no tocante à virtude, pois, não basta saber, devemos tentar possuí-la e usá-la”[3].


O que o autor quer dizer com isso, na minha humilde leitura, é que a virtude não é algo que temos ou que conhecemos. A virtude só nasce da prática de atitudes virtuosas.


Se voltarmos a Tomás de Aquino (desculpem a repetição, mas se justifica porque Santo Tomás foi justamente o responsável por compatibilizar o pensamento dos Gregos com a teologia da Igreja Católica e nos ensinou que o conhecimento pode ser buscado pelo Homem, através da inteligência – graça divina –, ou entregue à alguns poucos por revelação divina), veremos que este autor diz que a virtude é um hábito[4].


E foi justamente Aristóteles que disse que esse hábito pode ser construído nos jovens (pouco afetos à temperança e a moderação) pelas normas.


Sabe o que isso tem a ver com o ESG? O ESG só tem sentido quando tornado um hábito, quando ele é usado. Só conhecer ou divulgar alguma medida como sendo sustentável ou ESG ou só bradar aos quatro ventos que o “ESG está no DNA” da empresa de nada adianta e somente terá como resultado um descrédito social e um crescente movimento de ativismo ESG contrário à empresa.


Por isso, não adianta contratar uma mulher para o seu Board, se o seu turnover de empregados é imenso porque o que foi “vendido” a eles na contratação, não é “entregue” na execução, ou porque o seu SAC[5] não tem credibilidade perante os seus consumidores.


Não adianta criar políticas afirmativas se seus empregados não se sentem ouvidos ou não sabem qual é o “propósito” da empresa (e aqui faço um depoimento de respeito ao entendimento do nosso querido coordenador do evento de que o ESG seria equivalente a busca pelo propósito empresarial). Eu, modesta e humildemente, não acho que o ESG seja propósito, mas o propósito certamente leva a empresa para mais perto do ESG.


4. Roger Scruton

Quarto filósofo (e vamos lá, que estou na metade do compromisso ainda), mas queria trazer uma frase de Roger Scruton – e talvez seja nesse momento que você perca um pouco do interesse sobre a minha fala e pense: um conservador? Eca! Eles são sempre contra a proteção ambiental?


Mas, contra isso, eu lhe responderei que SCRUTON tem um dos maiores livros sobre filosofia ambiental que conheço e que se chama “Filosofia Verde: como pensar seriamente o planeta” em que para além de tratar da motivação externa para preservarmos o planeta (essa que diz: o mundo vai acabar, não haverá futuro, vamos todos morrer), o autor aborda a motivação interna para fazermos isso (o que motiva – ou motivaria – você, você mesmo que está lendo, no íntimo da sua reflexão, no seu momento de silêncio e solidão, a usar menos água no banho, apagar a luz ao sair de um cômodo, comprar um produto reciclável, mesmo que ele seja um pouco mais caro).


Em seu livro, o autor diz que “A moral se enraíza no fato de nos responsabilizarmos pelo que fazemos”[6] e sobre esse aspecto gostaria de dizer que, no meu sentir, essa busca por se tornar ESG deve, na verdade, ser vista e sentida como uma busca por auto-responsabilização, ou o “accountability” dos norte-americanos.


Quando tratamos da materialidade no ESG (e, aos que nunca ouviram falar da expressão, informem-se, pois a chave do ESG está, em grande parte, neste conceito), o que se está querendo é que atores do mercado façam o exercício de olhar para dentro, avaliem os riscos ambientais, sociais e de governança a que estão expostos e também avaliem os riscos ambientais, sociais e de governança que geram. E, mais, que depois de mapeá-los, insiram esses riscos todos dentro de sua avaliação empresarial. Traduzindo em miúdos: insiram em seus balanços sociais.


O que se pretende é que gestores, sócios e as empresas se responsabilizem, ou melhor, assumam responsabilidade pelo que fazem.


5. Paul Boghossian

Quinto filósofo: Paul Boghossian. Me deparei com um livro intitulado “O medo do conhecimento: contra o relativismo e o construtivismo” numa livraria em Lisboa, num intervalo de aulas do mestrado. O título já me chamou a atenção, mas seu conteúdo é ainda mais interessante. Mas onde entra o ESG aqui? Justamente na conclusão de que “há uma maneira de ser das coisas que é independente da opinião humana”[7], ou seja, que não pode ser relativizada ou construída por uma engenharia social qualquer.


Se é certo que o ESG é algo que veio para ficar, qualquer iniciativa ESG deve se basear em fatos, na busca pela verdade e não em uma tentativa pura e simples de “agradar a opinião da vez”, porque isso invariavelmente dará problema. E mais uma vez voltamos aos conceitos da materialidade aqui, mas além disso, é preciso “tirar o bode da sala” de achar que uma empresa se tornar ESG deve significar que ela irá deixar de visar o lucro.

Muito se fala sobre Milton Friedman (esse vai de bônus porque ele é economista e não filósofo) e sua célebre (e mal interpretada) frase de que a “função social da empresa é ampliar seu lucro”[8].


E aqui vem a distinção entre o ESG e a teoria do triple botton line, ou, a sustentabilidade clássica, que visa o equilíbrio entre o social, o ambiental e o econômico. Por vezes, já falei em aula que acredito que esse conceito de sustentabilidade – o do triple botton line - é em si filosófico, enquanto o ESG tem o condão de concretizá-lo.


Friedman não está errado quando ele disse o que disse. Friedman só está sendo ultra realista e muitas vezes temos uma grande dificuldade de ver e aceitar verdades duras.

O que o ESG faz (e aqui ele difere também do stakeholder capitalism que atribui às empresas o dever de considerar todas as pessoas que circundam a empresa) é mostrar que a desconsideração completa dos riscos e variáveis ambientais, sociais e de governança irão afetar a capacidade da empresa de gerar lucro e, portanto, cumprir sua função social primária e precípua.


A verdade (nua e crua) é que alguns dos vieses que consideramos como inerentes aos aspectos ambientais, sociais e de governança, podem talvez não se mostra lá tão relevantes para a sobrevivência econômica da empresa a longo prazo, quanto outros. Mas isso, só o tempo e muito estudo, dirá.


Sem fazer grandes medições ou digressões, eu imagino que um turnover altíssimo ou uma gestão que não escuta seus empregados, terá que ficar o tempo todo explicando, fazendo treinamentos, convencendo esses funcionários. Essa empresa perde tempo e a oportunidade de focar no seu core business.


Ao contrário, quando os empregados estão engajados, gostam de trabalhar ali, estão ali há muitos anos e, portanto, sabem como a engrenagem funciona, o tempo desperdiçado pela empresa do exemplo anterior, aqui, sobra. E com essa sobra, a empresa pode produzir mais e produzindo mais, naturalmente gerará mais lucro.


Não é o foco deste seminário entrar em questões polêmicas, mas poderíamos ficar horas debatendo sobre certas práticas que empresas tem buscado adotar em 2020, 2021 para poder colocar estampado na sua porta que são ESG ou que fazem um relatório de sustentabilidade GRI, mas que, em última análise, não atenderão a finalidade principal do próprio ESG.


E essa finalidade, a meu ver, é fazer com que empresas do mundo todo olhem para si, olhem para o mundo a sua volta e pensem: “Opa! O que é que vai acontecer com o meu negócio se, de fato, tivermos uma crise hídrica séria?” Ou, de outro lado: “Quais as oportunidades e mercados que eu posso explorar se eu me dedicar ao treinamento da minha comunidade de entorno, se eu investir em medidas que mitiguem os efeitos da crise?”


Mas por que então tanto medo do conhecimento? Por que tanto medo da percepção de que a ciência se constrói com hipótese, tese e antítese, debate e construção no tempo? Por que o medo de reconhecer que eventualmente uma certeza científica existente em uma época se mostra falsa e deve ceder diante de novas evidências?


6. Sêneca

Sexto e último filósofo: A minha intenção até anteontem era citar Sócrates, na célebre frase que é atribuída a ele (e que alguns dizem que ele nunca proferiu): “Só sei que nada sei”, que, aliás, uso como oração para a minha vida, para ter certeza de minha pequenez e necessidade de buscar constantemente trocar e aprender com aqueles que tem mais experiência do que eu.


Mas ontem vi um post da querida amiga e competentíssima advogada, Dra. Maria Cristina Gontijo e decidi fechar minha fala com um outro filósofo, um pouco mais recente que Sócrates e que disse que “Quando um homem não sabe para qual porto está indo, nenhum vento é certo”[9]. A frase é de Sêneca.


Por isso, para quem busca navegar nesse mar ESG, seja uma empresa ou uma instituição financeira, seja um gestor de fundos, um consultor, ou uma seguradora, a primeira coisa a saber é qual é para qual porto deseja ir. E conhecer seu navio também, claro!


Essa decisão (para onde ir) é a decisão mais importante, pois é ela que vai mostrar, dentre todas as dezenas de aspectos e espectros que integram essas três letrinhas, quais deles representarão os ventos favoráveis e quais acabarão sendo ventos contrários à sua navegação.


Comentários Finais:

Como dito na introdução desse texto, espero que, da leitura dessas poucas páginas e referências a filósofos de diferentes épocas, o leitor se sinta estimulado a buscar seus textos originais e fazer suas próprias análises e interpretações.


Costumo dizer que cada pessoa que lê um texto filosófico, poderá interpretá-lo de forma diversa, pois cada leitor sempre colocará sua experiência, seus conceitos e valores na leitura.


Portanto, o paralelo entre o pensamento dos autores aqui citados e este tema tão atual e relevante que é o ESG não é mais que uma leitura pessoal dos seus textos e, de certa forma, uma tentativa da autora de estimulá-los a buscar as referências e fazerem suas próprias análises.


Aos que aceitarem o convite e o fizerem, serão sempre muito bem-vindos ao debate.


***

Referências Bibliográficas

AQUINO, Tomás de. A prudência: a virtude da decisão certa. São Paulo: Martins Fontes, 2005;

AQUINO, Tomás de. Onze lições sobre a virtude: comentários ao segundo livro da Ética de Aristóteles. Campinas: Ecclesiae, 2013;

ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. [E-book]

BOGHOSSIAN, Paul. O medo do conhecimento: contra o relativismo e o construtivismo. Lisboa: Gradiva, 2015

FRIEDMAN, Milton. The Social Responsibility Of Business Is to Increase Its Profits. Publicado no New York Times, em 13 de setembro de 1970. Disponível online: https://www.nytimes.com/1970/09/13/archives/a-friedman-doctrine-the-social-responsibility-of-business-is-to.html . Acesso em 01 de setembro de 2021;

OST, François. Jupiter, Hércules, Hermes: três modelos de juiz. [Disponível online]

SCRUTON, Roger. Filosofia Verde: como pensar seriamente o planeta. São Paulo: É Realizações, 2016;

SÊNECA. Cartas de um Estoico: Um Guia para a Vida Feliz, Vol II, Cartas 66-92, 2ª ed., São Paulo: Montecristo Editora, 2021 [E-book]

[1] AQUINO, Tomás de. A prudência: a virtude da decisão certa. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 11. [2] OST, François. Jupiter, Hércules, Hermes: três modelos de juiz. [Disponível online] [3] ARISTÓTELES. Ética à Nicômaco. [E-book] [4] AQUINO, Tomás de. Onze lições sobre a virtude: comentários ao segundo livro da Ética de Aristóteles. Campinas: Ecclesiae, 2013. [5] Serviço de atendimento a clientes. [6] SCRUTON, Roger. Filosofia Verde: como pensar seriamente o planeta. São Paulo: É Realizações, 2016. [7] BOGHOSSIAN, Paul. O medo do conhecimento: contra o relativismo e o construtivismo. Lisboa: Gradiva, 2015, p. 159. [8] FRIEDMAN, Milton. The Social Responsibility Of Business Is to Increase Its Profits. Publicado no New York Times, em 13 de setembro de 1970. Disponível online: https://www.nytimes.com/1970/09/13/archives/a-friedman-doctrine-the-social-responsibility-of-business-is-to.html . Acesso em 01 de setembro de 2021. [9] SÊNECA. Cartas de um Estoico: Um Guia para a Vida Feliz, Vol II, Cartas 66-92, 2ª ed., São Paulo: Montecristo Editora, 2021 [E-book], p. 57.


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